Já estava na casa dos trinta anos e costumava acordar cedo e por livre e espontânea vontade aos domingos. Falava sempre que essa grande heresia era praticada para aproveitar mais o fim de semana, apesar das longas bocejadas entre os goles de café e os puxões de orelha dos amigos, que insistiam em refutar tamanho disparate da moça. Criada no campo por quase duas décadas, a menina já havia se acostumado a respeitar desde muito cedo as horas que o dia iria lhe dispor.
Quando o assunto era horário, sua disciplina era realmente exemplar, algo de fazer inveja aos mais garbosos personagens ingleses dos filmes hollywoodianos. Sempre chegava aos lugares antes do horário marcado e se orgulhava disso, ainda mais nos compromissos profissionais da empresa em que trabalhava. Nas idas ao cartório, consultas médicas, entrega do carro na oficina, aulas de saxofone e o curso de inglês, nenhum atraso. Toda a rotina era programada principalmente para comportar o tempo de estudo para o teste que aconteceria em breve. O desejo de passar no concurso era grande demais para que uma palavra com seis letras e três sílabas — sinônimo de desespero para tanta gente — atrapalhasse seu sonho. “Atraso” era um substantivo que não existia em seu vocabulário.
Porém, a vida, fiel à Lei de Murphy como é, ludibriou a garota fazendo uso de uma das armas mais letais aos compromissos, o sono — ainda mais intenso após taças de vinho em uma noite anterior. Com a falha do despertador justamente quando ela não poderia dar as caras, a realização do teste estava ameaçada. A moça desesperadamente pegou a bolsa, amarrou o cabelo da forma que mais lhe parecia conveniente para o momento, surrou os dentes com a escova e partiu em direção ao ponto de ônibus. O efeito borboleta do atraso é um dos mais cruéis que se possa imaginar; transporte coletivo que demora, itens esquecidos em casa, longos congestionamentos, burocracias brasileiras à la carte…
Chegou ao local de aplicação da prova dois minutos atrasada, extenuada e ofegante pela corrida. Não aguentou o ríspido “já era, não dá mais pra entrar” do segurança no portão de entrada e desatou o choro. As lágrimas e soluços eram bem mais do que frustração, eram também por um sentimento de traição da vida. Do que teria adiantado, durante anos, chegar com antecedência aos compromissos, se em um momento crucial precisara e não havia um banco de horas para compensá-la os minutos perdidos? Rapidamente conseguia computar de cabeça: só na última semana chegou quinze minutos antes do horário marcado no dentista, dez na aula de inglês e mais três no jantar de família. Se existisse um banco de horas, era só descontar os míseros 120 segundos de atraso do saldo de 28 minutos que acumulara nos últimos sete dias. A vida é realmente muito injusta.
Um banco de horas para cada pessoa poderia ser uma mão na roda. Dificilmente o Felipe Melo chegaria atrasado em alguma disputa de bola, o Mr. Bean não precisaria vestir as calças ao volante, nem os alunos virariam meme na internet em época de vestibular. É bom cobrarmos dos presidenciáveis a possibilidade de um aplicativo para acumular minutos de antecedência. Chega de atraso, já é hora do Brasil ser levado a sério e ir para frente.

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