“Avó”, de acordo com o dicionário da Língua Portuguesa, é um substantivo feminino que refere-se à mãe do pai ou da genitora de alguma pessoa. A definição, no entanto, não é nem um pouco alongada; está lá, com três letras e um acento, na primeira seção alfabética do espesso livro, mas de uma maneira bem sintética, seca e direta. Pela maneira simplória com que trata o termo, é bem provável que o dicionário jamais tenha tido uma avó para ser chamada de sua.
As minhas lembranças e definições de “avó” são bem pouco literais quando preciso descrevê-las. Desde quando morava nos rincões da Bahia, bem pequeno e nos tempos em que gostava de usar chapéu de palha, já consigo resgatar memórias das primeiras vezes em que me deparei com o conceito dessa palavra de três letras. Na verdade, ainda iletrado e antes de frequentar a escola, nem mesmo “conceito” era um termo que eu seria capaz de entender. A compreensão de “avó” vinha de algo maior, intangível, mas com representações linguísticas também existentes, denominadas “amor e carinho”.
As mães de meus pais eram bem diferentes e, ao mesmo tempo, congregavam de diversas semelhanças. Uma delas era mais alta, negra, olhos escuros de jabuticaba e uma vontade de gargalhar que rapidamente transformava em lágrimas a expressão de sua alegria. A outra era mais baixinha, pele branca, olhos claros e mais observadora durante as conversas; as duas eram baianas, de nascimento e criação, trabalhadoras desde cedo, alegres, solidárias, amorosas e com abraço forte. A vontade de viver também era algo em comum entre as matriarcas de minha família. Na época eu morava perto de ambas, e geralmente nos encontrávamos aos domingos, quando ia acompanhado de meus pais visitá-las. Esse dia da semana trazia mais prazer ao me fazer enxergar aquelas duas figuras como eternas, fortes. Eram as mães dos meus pais, seres inabaláveis, independente do estivesse por vir. Minha inocência era adocicada com o bolo que compartilhávamos à tarde, durante o café.
A passagem do tempo, no entanto, me trouxe consciência sobre muitas coisas na vida; me fez entender que há pessoas ruins, que existem desigualdades, que não podemos confiar no primeiro que oferece a mão para nos suspender. O tempo também me apresentou a antítese da vida, a palavra de cinco letras chamada “morte”, que já havia atingido pessoas próximas a mim e, recentemente, tocou nas duas figuras que quando criança eu enxergava como invencíveis. E como dói quando ela encosta em quem amamos… Em um intervalo de dois meses, percebi que perdi duas pessoas com quem eu poderia sentar para conversar e comer um pedaço de bolo, enquanto escutava as histórias do passado delas e da infância dos meus pais — sempre narrada por um discurso superprotetor de qualquer mãe. Percebi que, quando a única certeza da vida toca em quem amamos, não há nada que possamos fazer. Guardo em quem sou, apesar das despedidas, os momentos em que tive o prazer de escutá-las e receber abraços — tão mais fracos devido o passar dos anos.
Minhas duas avós partiram por motivos diferentes, em lugares distintos, mas deixaram muitos ensinamentos e valores. A compreensão do que vivi com elas talvez ainda esteja imaturo, fresco, e por isso eu seja incapaz de discorrer mais parágrafos sobre ambas. A certeza, no entanto, é o que senti enquanto estive com as duas figuras orgulhosas de quem foram e dos filhos que conseguiram educar.
Minhas queridas, obrigado por tudo, e saibam que o tudo é muita coisa para mim. Foi um prazer poder chamá-las de “avó”, senti uma alegria indescritível em dizer “eu te amo” para vocês. E isso, dicionário algum será capaz de explicar.
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