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Uma vitória libertadora

 




As listas de “X coisas que você deve fazer antes de morrer” são fartas, especialmente em época de internet massificada e desejos etéreos de realmente tentar fazer um milhão de coisas antes de perecer. É como se pular de paraquedas no Himalaia enquanto joga sinuca no ar e faz meditação Raja Yoga fosse possível em uma só vida. 


Seja pela impossibilidade de cumprir um zilhão dessas coisas — sem falar das inúmeras responsabilidades que a vida adulta cobra — ou até mesmo detestar algumas destas listas, nunca parei para pensar de verdade nas experiências que eu deveria experimentar antes de morrer. Talvez apenas algumas sensações eu já tenha refletido como seria. E nenhuma delas se compara a conhecer 101 países ou falar dezesseis línguas. Um de meus desejos era mais simples: ver o Palmeiras campeão da Libertadores. Tudo bem, talvez não fosse tão simples assim. Mas sempre foi algo viável.


Viável talvez também não seja a melhor palavra para definir a esperança de ser campeão da Libertadores quando se tem como espinha dorsal de time Ayrton, Juninho, Charles, Souza e Vinicius, como em 2013. Mas um torcedor que se preze sempre tenta acreditar em dias melhores. É bem verdade, claro, que o Verdão havia vencido o torneio em 1999, mas para quem tinha meros dois anos na época do triunfo palestrino, havia uma pequena lacuna a ser preenchida.


Quando comecei a acompanhar futebol com maior frequência e a guardar lembranças do esporte bretão, lá para meados de 2005, o cenário era desolador para quem havia acabado de pousar no mundo futeboleiro vestindo as cores do Alviverde. Rebaixado em 2002 e com temporadas inconstantes depois da ascensão, o Palmeiras pouco tempo depois viu seus rivais voarem em céu de brigadeiro. O Santos foi campeão nacional em 2004, o Corinthians, em 2005, e o São Paulo fez um tricampeonato absoluto na sequência 2006, 2007 e 2008. E nem vou falar da conquista Tricolor da Libertadores e do Mundial, em 2005. Como é possível relembrar, o cenário em volta do torcedor palmeirense era desolador. “Chora não, palmeirense”, dizia o Chico entre gargalhadas, são-paulino e dono de um bar em frente à casa em que eu morava na época. Pouco tempo depois, o bordão virou outro, vindo de alguns corintianos: “vai falir, palmeirense!”. O Palestra não participava do principal torneio continental de clubes em boa parte dos anos e outras coisas vieram para torturar os visitantes do antigo Palestra Itália: dívidas em crescimento, futebol em decréscimo, e o arquirrival Corinthians campeão de um título que até então nos diferenciava, em 2012.


Foi no Corinthians que pensei logo que a bola rolou no último sábado (30) no Maracanã. O rival que separava o Palmeiras da Taça Libertadores da América era alvinegro, mas era o Santos. De qualquer forma, “mentiroso é o torcedor que, diante da iminência do triunfo, esquece de seu maior adversário”, diz a Bíblia Sagrada do Amante de Futebol. Pode conferir: capítulo 19, versículo 14. Lembrei do Corinthians, confesso. Além da satisfação do título, o desejo era também saborear a vantagem em conquistas de Libertadores. 


Quando o Santos escapava pelos lados do campo e levava perigo à meta de Weverton, era dos inúmeros momentos de derrocada vividos que eu me recordava. Se o Palmeiras atacava e levava mais perigo, vinham à mente os recentes momentos de glória Alviverde em âmbito nacional. Era também quando eu pensava: o gol pode sair de maneira inacreditável — Betinho, Fabiano e Deyverson já haviam me mostrado que a improbabilidade de marcar um gol histórico nem sempre significa tanta coisa assim.


Foi dos pés de Danilo que saiu a bola que chegou em Rony aos 98 minutos, na ponta direita do ataque. Quando ela repousou nos pés do camisa 11, não esperei grandes feitos na jogada. Mas foi quando o lançamento chegou na cabeça de Breno Lopes (!), um herói inesperado, que senti o gosto do que esperei por tantos anos. A bola estufa a rede, eu espero um segundo para entender o que aconteceu, depois mais um segundo para verificar se o gol valeu, e então vem a explosão. Uma catarse de anos com um grito aprisionado na garganta. “O Palmeiras vai ser campeão da Libertadores, cara. Vai ser campeão”. Foi o que consegui dizer ao meu irmão, outro incrédulo.


Quando Vágner Love, cria da base palmeirense, fez o gol que rebaixou o Palmeiras, em 2012, pensei que demoraria até poder comemorar um grande triunfo protagonizado por garotos palmeirenses das categorias juniores. Esperei oito anos, até uma tarde de sábado, que marcou na história nomes como Gabriel Menino, Danilo e Patrick de Paula, jogadores que o palmeirense jamais irá esquecer. Três garotos que resgataram o frescor de futebol, de ver o Palmeiras, de ser Palmeiras, e de vencer por ele. Uma vitória da juventude, da alegria, do frescor que veio para revigorar meses tão achacados que todos precisamos enfrentar. O apito final, que em 2012 me fez chorar pelo descenso, oito anos depois me fez sorrir com a sensação que tanto almejei. 


O Palmeiras foi campeão da Libertadores. Eu vi. Eu senti.


Se em 2005 o cenário palmeirense era desolador diante de tudo em volta, a temporada de 2020 fez o jogo virar, como o futebol sabe fazer muito bem. A conquista da América pelo Palmeiras ressoa diferente justamente pelos fracassos que cada torcedor precisou enfrentar em anos não tão longínquos assim. Talvez eu adicione na minha lista de “coisas para sentir antes de morrer” a sensação de passar anos em sequência saboreando a constância da vitória.


E se tudo for efêmero, que o simples fato de sentir um amor por um clube seja suficiente. Como sempre foi. As outras metas da minha lista de desejos eu deixo para pensar depois.





(Foto: Palmeiras/Divulgação)

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