Já não tem sido difícil esbarrar no termo Fake News há algum tempo. E muito disso é devido às redes sociais, WhatsApp e brincadeiras de quem depois de uma cerveja já tenta imitar os discursos do presidente Donald Trump. A popularização dessas duas palavras, oito letrinhas e de replicação instantânea, no entanto, ainda carrega alguma penumbra de obscurantismo.
Como um fenômeno digno da cultura pop norte-americana, o termo Fake News alastrou-se rapidamente durante as eleições presidenciais de 2016. Usado diversas vezes pelo lado Republicano e Democrata no pleito, a ideia era taxar notícias de jornais e discursos de opositores como algo falso, mentiroso. Porém, apesar da alta popularidade cibernética, tudo indica que a expressão já existe desde 1890 — de acordo com o dicionário Merriam-Webster, o termo foi novidade lá no século 19.
No Brasil a toada também não foi muito diferente. Dois anos após a vitória do homem aficionado por muros, a eleição presidencial em território tupiniquim pegou Fake News por empréstimo — e não devolveu. Discursos políticos não demoraram a ser rebatidos com veemência e sotaque ianque; da esquerda e da direita, a ordem era encher os pulmões e bradar Fake News ao oponente. Apenas o Plano Ursal nas palavras do glorioso Cabo Daciolo resistiu ao ataque, ainda bem.
“É #FAKE mensagem que diz que Bolsonaro simulou ser vítima de facada para disfarçar câncer”, diz manchete do site G1 no dia 17 de outubro. O mesmo veículo noticia uma semana depois: “É #FAKE que Haddad cancelou aula na USP para comemorar queda das Torres Gêmeas”. Deixando um pouco de lado a triste necessidade dos meios de comunicação em desmentir coisas tão grotescas compartilhadas por asseclas partidários — e robôs — nas redes sociais, é preciso atentar-se um pouco para a atuação da mídia nas coberturas.
Talvez pela dificuldade de assimilar as transformações linguístico-tecnológicas pelas quais o Jornalismo passa, e até pela força da influência norte-americana em nossa cultura, a mídia incansavelmente replicou a expressão Fake News nas capas e escaladas dos jornais. O que pode parecer um termo de fácil compreensão para muitos dos millennials (olha aí a invasão ianque novamente), talvez não seja tão entendido por outros grupos. Fake News começou a ser tratada por muitas pessoas no Brasil como algo “leve, uma pequena inadequação com a verdade”. Uma notícia que era para ser caracterizada como mentira deslavada, fraude ou trapaça, rapidamente se tornava em Fake News — e ressignificada por alguns como “verdade incompleta, uma mentirinha”. O significado de mentira noticiosa no vocabulário estadunidense, por questões idiomáticas, não necessariamente aplica-se perfeitamente na língua portuguesa. Orestes Quércia foi mais enfático ao discutir com o jornalista Rui Xavier e protagonizar um grande barraco no Roda Viva em 1994: “Mentiroso, caluniador!”.
É claro que em meio a todo o imbróglio político-social há o crescimento da também popularizada pós-verdade — neologismo que descreve situação em que os fatos objetivos têm menos força do que crenças pessoais no modelar da opinião pública. Não vou abordar a fundo a ideia nestas linhas, mas por questões de sonoridade e credibilidade, você pode chamar de “post-truth”. Há quem deseja acreditar que a Terra não é redonda ou que as vacinas matam. É a mesma ilusão de que Dona Florinda e Professor Girafales apenas tomavam café na cozinha.
O tradicional dicionário de Oxford, conhecido entre muitas coisas por escolher a “palavra do ano”, poderia abraçar Fake News como o principal termo de 2018. Aliás, a escolha poderia já ter sido feita há alguns anos. A instituição britânica não optou pela expressão e escolheu “tóxico” como vocábulo. E, pensando bem, em meio a todo o turbilhão distópico no qual vivemos, a escolha não foi lá tão ruim.
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