Dentro das cavernas o homem primitivo usava fragmentos de óxido de ferro e sangue para marcar nas paredes das grutas os perigos que teria de enfrentar. Sem saber que milhares de anos depois suas marcações teriam valor histórico e ganhariam uma nomenclatura científica, ia adicionando silhuetas de bois, lanças, pessoas, e quando lhe faltava recurso motor ou criativo para desenhar algo, riscava símbolos que até hoje são incompreensíveis para os estudiosos da arte rupestre.
No Rio de Janeiro e já no Século 19, Machado de Assis não precisou riscar as paredes de sua casa (até onde se sabe) para criar Cotrim, Brás Cubas, Capitu ou até mesmo Rubião. Não há evidências concretas de seu processo criativo ou até mesmo dos embargos mentais que sofria ao escrever suas obras. Talvez tomasse um café, desse uma ajeitada no pince-nez e nada mais.
A criatividade, definida como inventividade, capacidade de inovar, só decide tomar conta dos neurônios como e quando lhe dá na telha. É sedutora quando lhe convém ser transformada em prática, admirada, e se desinteressa quando seu hospedeiro tenta a todo custo criar o layout que o chefe está cobrando há uma semana. A danada tem mesmo olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Às vezes tento a todo custo expandir os pensamentos, “pensar fora da caixa”, abstrair memórias e potencializar o acessível. O resultado? Abstracionismo completo, do mais fiel possível, como se Kandinsky ou Pollock mexessem meus neurônios com seus pincéis e depois não assinassem a obra sináptica. Desesperado, recorro a monólogos, vídeos de como melhorar o processo criativo ou de como organizar as ideias. A maioria dos oradores, sapientes como são, montam sua redoma de puro charlatanismo, não explicam muita coisa e deixam um link abaixo do vídeo para assinar o plano mensal e ter acesso às aulas completas. Haja criatividade!
Há poucos dias, a excelente Revista Piauí publicou uma matéria chamada “O baú de Verissimo”, em que exibe manuscritos do escritor Luis Fernando Verissimo, além de esboços, cartas e até desenhos inéditos do cronista feitos ao longo de décadas. De acordo com o próprio Luis, “os desenhos são para passar o tempo, enquanto as ideias não vêm”.
Seria uma boa, uma maneira diferente de se pensar e fazer melhorar a conversa entre meus neurônios dorminhocos. Pena que a dica veio apenas agora. Até o pouco de desenho que aprendi quando mais jovem, esqueci. Meus esboços para a escrita continuam sendo em fluxogramas, muitas vezes desconexos (mais até do que os sentimentos de Bentinho por Capitu), com ligações não sequenciais intermináveis e visualmente desconfortáveis. E, por falta de criatividade para a temática de uma crônica, resolvi usar neste espaço a esterilidade criativa como arma. Agora, enquanto meu cérebro faz uga-buga-uga-buga sem parar, já penso em pegar algumas tintas e começar minhas marcações pelas paredes, mesmo sabendo que não terão valor histórico no futuro. Desse homo sapiens non criativus, talvez seja uma loucura ao menos inovadora, fértil, digna de trazer à tona alguma ideia.
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