Pular para o conteúdo principal

Criança

Todas as manhãs é ele que me acorda. Me chacoalha e diz que está na hora de levantar e ir cumprir as metas do dia. Quando viro e quero voltar a dormir nas manhãs frias, uma força surge nas minhas pernas e levanto. Esfrego o rosto e sinto uma energia. Ele me olha e acena positivamente.
É uma criança baixinha, branca, do cabelo castanho claro e olhos escuros. Um olhar penetrante, sonhador, e muito confiante.

Às vezes quando estou voltando para casa depois de um dia cansativo, ele me abre os olhos e fala em meu ouvido que posso conseguir mais, que posso continuar lutando. Concordo, mesmo que muitas vezes seja para agradá-lo.

Me sinto intimidado quando a pequena figura me encara quando estou frente a situações embaraçosas e prestes a más ações. Ele me cobra a coisa certa e me abraça quando a faço. Sinto feliz em dar orgulho para aquele pequeno tão inocente.

Penso em muitas madrugadas se estou fazendo a coisa certa e se essa criança está feliz. No que posso fazer para melhorar, para me redimir, para fazê-la sorrir. Às vezes recorro a algumas lembranças na tentativa de afagar a alma. Nem sempre com sucesso, é verdade.

Mas sei que em cada decisão que tomo, cada sim e cada não, ele está me vigiando. A cada discussão que travo com alguém ele fica com os olhos marejados, esperando minhas desculpas.
Luto, a cada dia, noite, durante semanas e anos, na tentativa de dar orgulho ao pequeno Rudiney.
Aquele ser que pensava em como estaria e o que faria já adulto. Nas decisões que precisaria tomar, nos conselhos que daria. Nas vezes que teria que lidar com o fracasso. No que um dia conquistaria.

Não sei ainda se sou motivo de orgulho para ele. Tento. Quem sabe um dia possamos nos encontrar e ele dizer que tem orgulho da pessoa que me tornei.

Espero ansiosamente por isso.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Pretérito imperfeito

Recostados os braços e qualquer resquício de altivez numa cadeira capenga de bar, ele bebia. Bebia bastante, enquanto pensava na briga que tivera com o irmão dias antes. Pensar no passado era o que ele mais fazia, na verdade. E não era por qualquer princípio poético ou tentativa imediata de remissão. Pensava no passado porque gostava. Era encantado pelos verbos no pretérito sem nem mesmo saber o que diabos significava pretérito. Mergulhava em lembranças porque era a única possibilidade de realmente sentir alguma coisa em sua integralidade, mesmo que o sentimento fosse a saudade dilacerante. Já que era impossível nutrir alguma paixão pelo porvir e nem mesmo havia como captar o tempo presente nas mãos — porque um milissegundo depois de pensar em algo tudo já vira passado —, agarrava o pretérito com a força que podia. Com os lábios mais soltos pela bebida, entoava o refrão da música no bar, sempre com um verso de atraso. Gostava dos tempos antigos em que ia à loteria e ganhava pelo menos ...

Anônimos: Aceitação

“O ano de 2016 foi um período complicado pra mim, foi quando eu fiz cursinho. Não me arrependo, acredito que foi um período no qual amadureci muito, mas foi difícil. Quando eu estava prestando vestibular, estava em dúvida entre Relações Internacionais na USP e Economia na Unicamp. Tinha estudado muito para a primeira fase da Unicamp, acredito que passaria. Mas meu pai esqueceu de pagar a inscrição. Fiquei muito mal, eu queria muito aquilo. No fim, acabou sendo bom, porque se ele tivesse pagado, e eu passasse, teria ido para lá e não teria conhecido as pessoas que conheci um tempo depois.  Estou encarando as coisas como um momento de aceitação. De me aceitar como eu sou, de entender como as outras pessoas são, de saber que não tem como eu controlar tudo e o tempo todo. Preciso aceitar que as coisas vão dar errado.” São Paulo, 15 de janeiro de 2018 * O projeto "Anônimos" tem como função dar voz àqueles que normalmente não seriam ouvidos...

Querido rodinho

O ser humano é capaz de encantar-se pelas mais diversas coisas. Copérnico, por volta do século 16, percebeu a beleza galáctica do sistema solar e desenvolveu a ideia conhecida atualmente como heliocentrismo. Machado de Assis, uns três séculos após o vislumbre de Copérnico, viu na relação humana — em especial no caráter dúbio do homo sapiens — o produto essencial para seus maravilhosos romances. E, mais recentemente, com um arcabouço de conhecimento coletivo bem mais sólido e boa noção da capacidade tecnológica, empreendedores do Vale do Silício transformam o encantamento que têm pelos bits em plataformas multimídia bilionárias. Eu, particularmente, também cultivo admirações distintas, das mais variadas áreas do conhecimento. Encontro na vastidão das estrelas um bom motivo para ficar olhando para o céu por alguns minutos, como um “tonto” — adjetivo utilizado por quem me advertiu. Acho beleza na voz de Johnny Cash, me delicio em meio às crônicas de Antonio Prata, encontro perspicá...