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Ketchup?

Sábado.
O shopping estava lotado.
O casal de namorados ia a uma sessão de cinema.
As crianças brincavam na piscina de bolinhas na área infantil.
As lojas estavam ainda mais chamativas, com balões que anunciavam promoções de inverno.
Algumas outras lojas atraiam o público pela música e pelo simples passar do tempo.

A praça de alimentação estava ainda mais lotada, com a maioria das mesas ocupadas.
Na segunda vez que um menino brincou com a batata, ela caiu no chão.

Em uma fila das mais famosas redes de Fast Food do mundo, o clima era desarmônico.
Era uma loira, alta, se sentindo injustiçada e ofendida com a atitude do outro lado do balcão. Seu lanche demorou a chegar, e quando chegou, estava sem ketchup. 
Gritava com a funcionária da rede, que só olhava e não parecia ter coragem (autorização) de retrucar os insultos. Era chamada de incompetente e apenas aceitava o deslize. Nada falava.
A cliente então exigia retratação e solicitava presença de algum superior pelo mau atendimento. Era um absurdo. Faltou o ketchup!
Pela primeira vez a funcionária falou. Soltou um envergonhado "desculpe".
A injustiçada, tendo agora resolvido seu problema e conseguido alguns sachês que desejava, pegou seu lanche e saiu retrucando. Mais uma vez ofendeu a funcionária, que a essa altura já estava atendendo outro cliente, com os olhos visivelmente marejados.
Os clientes continuaram sendo atendidos. Ninguém pareceu se incomodar com o que tinha acontecido segundos atrás.
Pareceu natural ofender quando se estava pagando. 

Na minha vez, pedi meu lanche. Queria mesmo era pedir desculpas pelo o que tinha acontecido.
Não teria dado tempo. Um rapaz faminto atrás de mim já gritava pelo seu lanche.



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